a noite chega-me irrequieta de cíclicos ventos, cintilam peixes pelas
paredes do quarto
durmo sobre as águas e tenho medo
encolho-me no leito estreito, no fundo dele, onde o linho já não fulgura
queda a queda, voo
não consigo dormir com esta ferida
as máquinas sussurram, trepam pelas paredes, escancaram portas,
invadem a casa, ocupam os sonhos
sirenes, alarmes lancinantes, cremalheiras da noite ressoando no limite
do corpo
levanto-me e saio para a rua
caminho na chuva adocicada da manhã, as pedras acendem-se por dentro,
reconhecem-me
uma voz líquida arrasta-se no interior dos meus passos, ecoa pelos
recantos ainda vivos do teu corpo
em ti acostam os barcos e a sombra dos grandes navios do mundo
vive o peixe, agitam-se algas e medusas de mil desejos
em ti descansam os pássaros chegados doutras rotas
secam as redes, põe-se o sol
em ti se abandona a ressaca das ondas e o sal dos meus olhos
as árvores inclinadas, os frutos e as dunas
em ti pernoita a seiva cansada das palavras, o suco das ervas e o açucar
transparente das camarinhas
em ti cresce o precioso silêncio, as ostras doentes e as pérolas dos mares
sem rumo
em ti se perdem os ventos, a solidão do mar e este demorado lamento
AL BERTO
2 comments:
Belíssima fotografia,uma pintura. Belos versos também.
ACarlos
A foto é minha mas o poema é de Al Berto.
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