Sunday, December 16, 2007

greedy lolita



(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

receita de Álvaro de Campos

4 comments:

Teresa Machado said...

espera aí, que já vai...

Teresa Machado said...

Narrradora omnisciente e omnipresente: À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da minha sala
Tenho febre e estudo.
Estudo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos (e minha, já agora!).

(Eis que se me ecoa uma voz rebelde, r-r- resfriada):
Dama: Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido das r-r-r- revoltas em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com o que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes Invernos gélidos,
De vos sentir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer marrar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó resmas de letras empilhadas!
Em febre e olhando as resmas como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
(…) E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Narradora - (E) Anda (essa catraia, de mini-saia e um tio chapéuzinho) por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
(Diria um Zé –povinho, comum como qualquer outro):
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
(…) Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
(…) Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo?)
(início do interlúdio político, pois o protocolo assim o exige)
(Deseja, que já Sócrates(o filósofo) alucinou com) a maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana,
(eis que surge uma presidência – romana, claro! – e uma cimeira que rima com baleia e poeira)
Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes –
Sócrates exclama com o coração bem apertadito: Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!) – é quando ele nos põe a mão ao bolso!
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos (não, por amor da máquina) têm cio de vós!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
Narradora, colocando ponto final a tanta pieguice: Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta).
(fim do interlúdio político)
A dama por hoje decide responder ao sofrimento do alheio sentimental: (Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.

Teresa Machado said...

Que Pessoa me perdoe, por ter dissecado e esvendrado a sua Ode Triunfal..., mas a culpa foi do Chevrolet...Amen!

sophie said...

" Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
(..)
Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim..." (Álvaro de Fields)

similar tastes my dear, an ode to ourselves and our poetry sessions (foot on her - moonlight)